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O Eterno Feminino (Estelas de Cal)

from O Corpo no Sentido Contr​á​rio by Bruno Ramos & João Clemente

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lyrics

O Eterno Feminino
Exposição “Estelas de Cal”
Pintura: Gabriel AV | Fotografia: Margarida de Albuquerque Rodrigues


Num tempo marcado pela diluição do conceito de género e pela ditadura de uma permanente felicidade, Gabriel AV e Margarida de Albuquerque Rodrigues (MAR) assumem o corpo com o seu sexo e as suas máculas. E fazem-no sem qualquer tipo de concessão a preconceitos de horário nobre, a pudores de sacristia, a facilitismos de pacotilha, ou a qualquer outro tipo de “ismo”, diga-se de passagem. Aqui está o corpo nu, exposto, visceral e sexual, vivido e marcado, suportando a sua bagagem emocional em equilíbrio sobre o caldo simbólico da mitologia. O corpo como campo de batalha do amor, na busca pela redenção. Ou simplesmente tentando encontrar a saída do seu próprio labirinto, em direção à luz. As imagens desta exposição lançam uma ponte para a compreensão do outro através da nossa própria história.

Vem até mim, meu amor, e rasga uma abertura na minha carne, da boca até ao sexo, por onde se vislumbre o antigo confronto da criação: homem e mulher, eu e tu, a minha vida na tua.
Esta é uma exposição assumidamente feminina, no sentido arquetípico e dialético mais ancestral do termo. Nesse contexto só pode existir na sua dualidade com o princípio masculino, na eterna dança da criação do mundo entre homem e mulher, Adão e Eva, Xiva e Shakti, Yin e Yang, Gabriel AV e MAR, o falo e a vagina, o esperma solar e impulsionador recebido na gruta lunar, no escuro útero onde se gera o mistério da vida.

“A mulher é o futuro do homem”, disse o poeta francês Louis Aragon. Significa que essa força masculina, bruta, material, terrena e tradicionalista na sua quase cega preservação da ordem e dos valores, precisa de entrar em contacto com as suas emoções mais profundas, o seu lado escondido, uterino, lunar – feminino, portanto – para quebrar padrões, libertar-se, evoluir e poder ascender aos céus. O feminino e a sua promessa de amor representam o desejo sublimado na vontade de transcendência, cuja viagem pode levar-nos ao mais alto dos cumes, como esmagar-nos sob as profundezas da montanha.Carl Jung escreveu que o feminino representa “o anima inconsciente, as tendências psicológicas da psique, como por exemplo, os sentimentos e os humores indefinidos, as intuições proféticas, a sensibilidade ao irracional, o sentimento da natureza, a capacidade de amor pessoal (...), a propensão para fazer observações mordazes, venenosas, efeminadas e a menosprezar tudo.” As pinturas de Gabriel AV representam
esta transbordante dicotomia e as fotografias de MAR questionam quanto de feminino existe em todos nós. Esse é o encaixe primordial do mundo, a geração de toda a vida e o espaço liminar onde se desenrolam as tragédias da condição humana na busca do amor, da harmonia e da redenção.

Diz-me, meu amor, este sangue que escorre entre nós é ainda o inocente e puro sangue da nossa desfloração ou verte já de uma ferida aberta por um dos nossos gestos? Cada um de nós é o palco dessa mesma e única história. Cada um de nós, à sua maneira, terá de encetar a “viagem do herói” e navegar por entre os escolhos das relações e sobreviver ao niilismo e à amargura, as duas sereias que, com o seu murmúrio encantatório, nos querem prender num leito estagnado. É o que faz Gabriel AV, lançando-se à borrasca com as velas desfraldadas do seu coração. “Esta exposição é o
cemitério, privado e íntimo, das mulheres que amei, para as enterrar definitivamente e podermos todos descansar em paz”, diz ele. Mas não se pense que vimos aqui assistir a um sorumbático funeral ou a um maniqueísta ajuste de contas. Bem pelo contrário. Somos convidados a entrar no seu pessoalíssimo panteão para assistir a um vibrante
caleidoscópio de purificação. O artista expõe-se na tentativa de compreender. Recorre à mitologia grega porque é nesse fundo metafórico que habita toda a complexidade da natureza humana, com as suas incongruências e contradições, o mais belo e puro como
o mais malévolo e demoníaco. Sem juízos de valor, sem certo ou errado. Cada quadro representa uma mulher, um amor, uma história exorcizada através da sua carga simbólica.

Serão todas uma só? Facetas de uma única mulher? Nos espaços vazios dos trípticos desta exposição debruçamo-nos sobre o abismo da revelação. É preciso olhar, olhar profundamente, como Gabriel AV o faz, para se perceber as delicadas nuances que os unem a todos.
Pousa a tua mão na minha, meu amor, não sei já se este calor que me anima é do nosso abraço ou do coração palpitante que arrancaste ao meu peito.Que liberdade se sente no meio destas imagens! Que volúpia de sentidos nos arrebata numa explosão de emoções enfim desencarceradas! Não há quem não se identifique ou não reconheça outros nestas imagens. Não pode haver quem não se sinta exposto e desnudado em algum secreto episódio ou pulsão marginal. Caso contrário, saia
imediatamente desta sala, pois não é já mais do que um “cadáver adiado”2 tão somente aguardando por um definitivo banho de cal na alma.

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from O Corpo no Sentido Contr​á​rio, released May 10, 2023

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